domingo, 20 de janeiro de 2013




Câncer, um nó na garganta: uma dor indigesta!

Josimara  Neves

A minha vida podia até estar ruim: os problemas eram muitos e complicados, meu casamento estava desgastado e monótono, o trabalho se tornou meramente funcional e cansativo, a minha aparência envelhecida, denunciando os sinais dos sofrimentos vivenciados.
Vez ou outra eu refletia sobre a vida, achava-me triste, via-me no fundo do poço, diante de um labirinto sem fim.Tudo era amargura!
A angústia se movimentava dentro de mim!
Meu coração apertado sentia o vazio de uma existência faltosa...
Meus pensamentos gritavam perturbando o meu silêncio existencial...
Nesta época, eu achava que a vida era nada, e a morte, tudo!Foi quando fui surpreendida por um câncer na garganta. Naquele exato momento, tudo mudou: o mundo parou por instantes, sentia que o meu corpo permaneceu ali sentado, estático de frente ao médico (que naquele instante mais parecia um coveiro) enquanto o meu espírito transcendia.... Sinto que aquelas palavras “Você está com câncer” ecoam no meu âmago ainda hoje, percebi então, que a partir daquele dia eu comecei a morrer.
Eu havia recebido o diagnóstico de câncer, mas meu coração o recebera como se fosse um atestado de óbito, e por mais vida que eu poderia vir a ter, neguei-me a ela; entreguei-me  à morte a qual passou a ser um fantasma que me perseguia diariamente; ela era o prelúdio de um fim que se aproximava cada vez mais e de forma mais rápida.
Pensei comigo:
_ Como eu fui injusta comigo mesma, e sobretudo, com a minha vida! Vivia como morta bem antes de saber sobre o diagnóstico, aceitei a mísera vida que levava, revoltei-me, fingia que via, desisti de mudar, e acima de tudo, de lutar!

          Engoli sapos...
         Calei os meus sentimentos....
         Castrei os meus pensamentos...
         Amordacei a minha boca, silenciei a minha voz...
         Vedei os meus olhos, na tentativa de não ver os meus problemas...
         Esquivei-me de me ver, de deparar-me comigo mesma!
         Suportei atrozes violências...
         Sofri a dor do desamor!

E o câncer, caranguejo silencioso e invasivo, chegou e se apossou de mim. A garganta era seu hospedeiro... Revolta...dor...angústia...tristeza...a nudez da alma e muitos questionamentos:

         Por que eu me silenciei quando eu deveria falar?
         Por que eu me calei enquanto desejava gritar?
         Por que eu me sufoquei?
         Por que aprisionei a minha voz e dei nó na minha garganta?
         Por que eu emudeci diante da vida?

O câncer surgiu como uma resposta entalada na minha garganta feito um nó sufocante. Hoje eu tenho câncer e posso culpá-lo como um depositário de todas as minhas frustrações, posso atribuir-lhe a responsabilidade pela minha existência triste, pela vida não vivida, enfim, por todos os males de minha vida!
Eu não tenho mais voz, não posso mais falar, mas o câncer fala por mim como o porta-voz de alguém que teve que aprender a se expressar diante do hiato que ficou com a ausência da voz. Hoje eu falo com o olhar, com o sorriso, o toque, e quando as lágrimas banham o meu rosto eu sinto como se fosse a minha boca a salivar!
Aprendi com tudo isso que eu tenho o direito de culpar quem eu quiser pela minha doença, posso culpar o câncer pelas desgraças, sofrimentos e frustrações de minha vida, mas não posso, não devo e nem tenho o direito de responsabilizá-lo pelo suicídio a longo prazo, afinal, a escolha de fumar foi minha, a de beber também, a de me abandonar, a de esquecer de mim mesma também foi minha. Este suicídio acabou por levar a minha vida, esta que esta sendo empurrada, afinal, ali eu já estava morta, só precisava de uma desculpa para eu entregar os pontos e, por fim, cavar a minha própria sepultura!
E, assim, a vida continua com suas incongruências, surpresas e “reticências”, até que uma mera “vírgula” durante o percurso existencial venha colocar um ponto final na jornada terrena.




5 comentários:

  1. Dedico a todas as pessoas que passam ou passaram pela experiência do câncer e que aprenderam a ressignificar a própria existência!

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  2. Câncer não tem respostas... o porque deu... momentos da vida que vivemos por mais errado que seja esse era o momento. Eu digo sempre.. culpado não tem, quem tem a resposta?

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  3. De fato, trata-se de um assunto ainda enigmático por não ser compreendido tal como deveria. As respostas, quando existem, não são generalizadas, pois cada pessoa faz uma leitura daquilo em que vive encontrando no seu âmago o entendimento necessário para passar pelo processo de adoecimento sem, contudo, adoecer mais! O que se sabe é que as experiências têm grande contribuição em nossas vidas, logo, tudo o que vivemos e fazemos - direta ou indiretamente - nos afeta. Somos seres "biopsicossociais" sendo assim, não dá para ver o ser humano descartando a sua totalidade! Quanto à questão da culpa, essa não deve se tornar a "vilã" da história, pois quem se culpa ou sente a necessidade terceirizar tal sentimento, no mínimo, faz isso para tentar diminuir o peso do fardo o qual não está dando conta de suportá-lo.Mais do que julgamento, os doentes necessitam de compreensão! Obrigada pela participação!É isso aí: liberdade e expressão!

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  4. O meu Pai passou pelo câncer no cerebro em silêncio, eu sei que ele sofreu e muito, mas mesmo assim se manteve reservado para que minha mãe, eu e meus outros irmãos não sofressem também. Hoje tenho quase que certeza que o câncer não tem cura, e a cada dia que passa tenho mais medo ainda. Sofro muito pela falta do meu pai, mas agradeço a Deus por ele ter levado o meu pai e não ter deixado ele sofrer tanto, como muitas pessoas sofrem.
    Descanse em Paz Pai....

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  5. Olá!!!

    Seja bem-vindo/a!!!

    Sinto muito pelo sofrimento que o "câncer" provocou na sua família e, mais particularmente, no seu pai! De fato, é um assunto doloroso, assim como a vivência dele! Em se tratando de doenças, não há apenas um ferido, todos sofrem! Assim como a Hanseníase e a AIDS não tinham cura ou tratamento em outras épocas e hoje é possível viver bem tendo tais doenças, acredito que com o câncer também ocorrerá o mesmo, uma vez que a medicina está evoluindo cada vez mais. A questão da morte ainda é um tema tabu no qual raras são as pessoas que sabem lidar com ela, pois é difícil mesmo "perder" alguém que a gente ama e, mais, acostumar-se com a ausência! O importante é lembrar que tudo aquilo que nos marca, fica! Seja através de lembranças ou recordações que se personificam naquele típico aperto no peito que denominamos de "SAUDADE!" O que nos resta é aprendermos a enfrentar os nossos sentimentos com a certeza de que o tempo passa, pessoas morrem e o que permanece é o amor que nutrimos por elas. Não é fácil, mas tente emanar boas energias ao pensar nele e fazer uma oração para acalentar o seu próprio coração!!!
    PS: o meu pai faleceu há 11 anos. Ele tinha câncer no cérebro também, mas nem chegou a tratar, pois teve outras complicações de saúde que o levaram a óbito.

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