Carta de uma filha órfã
ao seu pai que já se foi...
Josimara Neves
Pai, muitos anos se passaram desde
que o senhor se foi... Enquanto era vivo, eu pouco o compreendi, acho que, no
fundo, eu sempre idealizei um pai “herói”, invencível, forte o suficiente para
não errar e nem fraquejar, sensível o bastante para notar que eu precisava me
sentir amada, que eu desejava receber carinho, que eu almejava ser vista como
uma criança que vê no pai, o seu porto seguro!
Acho que, no fundo, as minhas
idealizações sempre me impediram de vê-lo não como um pai, mas como um homem –
um ser humano falível – como outro qualquer! Talvez eu tivesse sido intolerante
para com os seus erros e falhas, mas é que eu era carente de ter um pai que me
visse como uma filha, e não como um filho. Sofri muito querendo ser o filho –
varão – que tanto sonhou em ter, mas que não teve... Acho que eu o condenei
como se fosse este varão, não como filha... Não entendia os meus sentimentos!
Só queria me sentir amada do jeito que eu era, sem precisar me transformar em
algo diferente para poder ser reconhecida.
Aos poucos, fui crescendo, e o
senhor, envelhecendo!
Aos poucos, fui percebendo, e o
senhor, ocultando!
O tempo passou tão rápido que quando
dei por mim, já era órfã!
Órfã três vezes: de um pai idealizado, de um pai
real – o senhor – que já se foi e de um pai que, além de idealizado, eu o
projetei em cima do pai que tive.
Hoje eu sinto um buraco enorme dentro
de mim: não tenho mais nenhum dos três pais! Sinto-me completamente órfã, uma
órfã ainda criança sentimentalmente, carente de afetos masculinos que pudessem me
transmitir segurança.
Eu cresci e, além disso, amadureci. Sei
que não tive o pai idealizado, mas tive um pai real que, com erros, falhas e
desacertos, contribuiu para eu me tornar a mulher que hoje sou. E quem eu sou?
Uma filha que aprendeu a ser mãe e pai de si mesma, aprendeu que para condenar
o pai ou qualquer outra pessoa que seja, é necessário fazer diferente e tentar,
minimamente, ser melhor naquilo que as pessoas que você criticou.
Eu não tive um pai herói, mas tive um
pai humano que, através de seus erros, ensinou-me a desviar dos erros que nós mesmos
procuramos com as próprias mãos. Não bebo, não fumo, não uso drogas, não
infrinjo as leis!Tenho respeito pela vida e, sobretudo, por mim mesma! Sei que
nunca verbalizou tudo isso pra mim, mas quem me ensinou isso, mesmo que
indiretamente, foi o senhor: o meu pai anti-herói, cheio de fraquezas e chagas
na alma!
Hoje, eu aprendi que eu não sou
melhor do que o senhor, embora muitas vezes foi assim que eu me senti...
Hoje, eu aprendi que, muitas vezes, o
pai necessita de mais atenção e carinho do que o próprio filho, simplesmente,
porque se sente pequeno emocionalmente para dar conta de ser “pai.”
Aprendi uma das maiores lições de
minha vida:
“que só porque alguém não me ama do
jeito que quero
que ame, não significa que esse alguém não me ama,
pois existem pessoas que nos amam,
mas simplesmente não sabem como demonstrar isso.”
que ame, não significa que esse alguém não me ama,
pois existem pessoas que nos amam,
mas simplesmente não sabem como demonstrar isso.”
(Shakespeare)
E foi assim que eu entendi, depois
que o senhor se foi, que me amava: não como eu queria, mas como sabia!
Pai, onde quer que esteja, eu rezo
por você!
Com amor,
Sua filha,
Josi
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