Psicoletrando - Escola, sociedade e família: miopia coletiva
Marília Neves, professora e escritora
Contato:psicoletrandojm@gmail.com
Blog: http://psicoletrandocomvoce.blogspot.com/
Vocês – escola, sociedade e família – se acham preparadas
para lidar com a deficiência visual? Sabem a diferença entre cego e
deficiente visual? Ver e olhar? Enxergar e ver? Enxergar e olhar?
A cegueira não é única e exclusivamente uma deficiência visual. Cegas
são as pessoas que podem ver e se recusam a enxergar. Cegas são as
pessoas contaminadas a ver o mundo com o globo ocular poluído por
negativismo. Cegas são as pessoas que só veem as mesmas coisas... Cegas
são as pessoas que nunca enxergam o que deve ser visto. Cegas são as
pessoas que fingem ser cegas para se esquivar de ver a vida! Cegas são
as pessoas que acham que ver, enxergar e olhar são a mesma coisa!
Ver uma flor é limitá-la a algo qualquer; já, quando se olha uma
flor, ela adquire vida própria, é mais do que qualquer flor, passa a ser
“flor com identidade”, porque foi vista, percebida, notada e
reconhecida em sua singularidade. A ideia é similar ao que Antoine de
Saint-Exupèry retrata em seu livro “O Pequeno Príncipe:”
Exatamente, disse a raposa. Tu não és para mim senão um garoto
inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade
de ti. E tu não tens necessidade de mim.Mas, se tu me cativas, nós
teremos necessidade um do outro. Serás pra mim o único no mundo. E eu
serei para ti a única no mundo... Mas a raposa voltou a sua ideia:
– Minha vida é monótona. E por isso eu me aborreço
um pouco. Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol.
Conhecerei o barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros
me fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora como
música.
E depois, olha! Vês, lá longe, o campo de trigo? Eu não como pão. O
trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma.
E isso é triste! Mas tu tens cabelo cor de ouro. E então serás
maravilhoso quando me tiverdes cativado. O trigo que é dourado fará
lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento do trigo...
A raposa então calou-se e considerou muito tempo o príncipe:
– Por favor, cativa-me! disse ela”.
Ou seja, pode-se dizer que ver é uma visão sem emoção. Olhar é um ver com atenção.
No sentido “exuperyano”, olhar é quando a visão é cativada pela
emoção transformando o que era sem vida em algo que passa a ter uma
essência singular e especial, sem a qual, nosso olhar já não mais
(sobre)vive.
Sendo assim, para nós, ser deficiente visual é mesmo uma provação
árdua, mas viver uma vida tendo a capacidade de vislumbrar o mundo sobre
o prisma do olhar da alma e não fazer isso é, na nossa concepção,
indubitavelmente, o pior tipo de cegueira que existe.
Cego é todo aquele que amaldiçoa a luz por viver na escuridão
da alma tornado-a noite sombria e fazendo das trevas seu habitat
natural! Cego é todo aquele que vê o mundo em preto e branco porque
imaginar uma vida colorida é utopia! Cego é todo aquele que venda os
olhos para as percepções do mundo. Cego é todo aquele que se recusa a
olhar o mundo com os olhos do coração! Não é à toa que dizem: “os olhos
são a janela da alma!”
É tempo de despertar, de dizer adeus aos profetas míopes que tentam
nos contaminar com suas visões trágicas e catastróficas. É tempo de
abandonar a miopia social que nos limita o olhar.
É hora de equilibrar a visão bipolar: nem só “Miopia (dificuldade de
enxergar de longe)” nem só “Hipermetropia (dificuldade de enxergar de
perto)”, afinal, precisamos aprender a olhar para todos os lados e para
todas as direções, romper com a dificuldade de enxergar só de perto, ou
mesmo, só de longe. Chegamos à era na qual quem se limita a enxergar só
porque vê, perde a chance de olhar!
O deficiente visual não distingue as cores das flores, mas ao
tocá-las é capaz de senti-las em sua verdadeira essência. Já cego é
aquele que enxerga as cores das flores, mas não consegue captar a sua
real essência. No mundo há os deficientes visuais cujos olhos são o
coração. E os cegos, cujos olhos são apenas: olhos!
Só se enxerga de verdade quando se olha com o coração! Aprendamos
então: escola, sociedade e família a olhar o aluno, o aprendiz, o amigo,
o vizinho, o familiar e o próximo, de um modo em geral, com os olhos
sem vendas: livre de preconceitos e de discriminações porque no fundo,
todos nós precisamos a aprender a utilizar melhor a nossa visão!
Acompanhe a nossa coluna no Jornal do Sudoeste:
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